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sexta-feira, 1 de junho de 2012

“I love mero nepal”… love my Nepal

Hoje, dia 1 de Junho, regressei do Nepal.
Para trás ficaram acontecimentos e pensamentos que não pude escrever e outros que não pude conter.
A Constituição daquele país ainda não está escrita, mas para mim a sua espinha dorsal mantém-se.
Simplesmente, vou sempre sentir amor por esse pedacinho de terra no mundo e pelas suas gentes.....



Para saberem mais sobre a minha experiência lá, vejam o video que realizei "Go Volunteering, fly high"...

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Shots ou Flashes?
Estas imagens que aí vem e veem são flashes dos momentos principais no Nepal até agora. Deixo-vos somente estas cores, esta vida… pois o próximo post, penso, será o último. Apercebo-me que não consigo fazer conter neste espaço pequenino toda a imensidade do que vou vivendo a cada dia. Tenho que me parar para escrever, para adivinhar palavras que expliquem o que se vai desenhando em cortinas de chuva torrencial e chapéus de sol que escondem a sombra ténue da humidade/humanidade. O tudo que se vive não consegue ser contido. O tudo que se vive é para ser vivido. E pronto.


Pôr-do-sol em
Pokhara


Babas na Durbar Square de Kathmandu



A puja inesperada em frente a templo de Ganesh


em cima do autocarro - dentro já não havia espaço


voar!

no centro da vila de Bandipur



agricultura em Pokhara

vida nas zonas rurais



A dança nepalesa durante o trecking
os carregos impossiveis, montanha acima...






Annapurna!

a fazer o ultimo cházinho nas montanhas

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Início antecipado dos monsões


Mesmo que o sol nasça quente e opulente por entre as montanhas, da parte da tarde está a chover… todos os dias se vão aproximando mais e mais as nuvens carregadinhas de promessas monçónicas. Trovejam lampejam e… ás 3 da tarde em ponto… por entre ventos ciclónicos… chovem-se e dissolvem-se…até ao dia seguinte.
E estamos na pré-monção! Casamentos, portas, animais e pessoas começam-se a reduzir, fechar, esconder e recolher. É a hora da fertilidade da terra, da absorção das águas em contrações e expansões que se transformarão em alimento para todos.  
É também o momento de muita agitação politica e social no Nepal…este mês em particular, Maio, assinalou 3 semanas de greves gerais, totais blackouts de actividade económica devido ao fecho forçado das lojas, restaurantes e supermercados, ao bloqueio total das estradas por parte dos manifestantes de todos os quadrantes, pirâmides e esferas sociais nepalesas. … uma confusão e dificuldade imensa para conseguir fazer algo neste país! Tudo porque até dia 27 de Maio o texto da nova Constituição deverá ficar pronto e ser aprovado pois só tal garantirá estabilidade no país para se poderem “desenvolver” e prosperar atraindo investimento estrangeiro e etcs que decorrem naturalmente daí…

Contudo, esta Constituição já vai sendo adiada há 4 anos e o povo está a ficar sem esperança que os políticos se entendam. É de facto complicado que todos concordem nos textos e direitos pois cada casta, grupo étnico e grupo religioso quer ver espelhados os seus valores e princípios, reconhecimento da sua importância e papel no país, assim como atribuição de direitos. Está muito difícil especialmente a tentativa de divisão do país em regiões administrativas cuja delimitação não reflecte sequer razões históricas ou culturais – é um suceder-se de propostas que são altamente dissonantes com a da população… difícil e complexo este processo, que está ainda longe de terminar e que vai atrasando as ambições e sonhos dos nepaleses para o seu próprio país…

Neste contexto, o meu trabalho voluntário na ONG Alternatives foi afectado em muitas formas… não só no transporte até ao escritório (ou ia a pé durante 1 hora ou não havia possibilidade pois os transportes estavam parados e os grevistas não permitiam a passagem de nenhum veículo, sob pena de ser todo destruído “porque se queria passar era porque não estava a fazer greve e se não estava a fazer greve não estava com eles, estava contra e se estava contra não podia…. “ Exceptuavam-se desta imposição apenas os autocarros turísticos de longo curso os quais podiam passar, pois os turistas não tem nada a ver com isso – os nepaleses uniformemente não querem estragar a imagem do país no estrangeiro, para além de que, segundo a sua cultura, o estrangeiro é “Deus” e assim deverá ser tratado todo o tempo.


Quando conseguia chegar á sede, por vezes não encontrava os meus colegas (pois também eles faziam greves ou tinham festivais da sua etnia a decorrer) ou chegava lá e havia cortes de eletricidade antes do horário previsto… sempre dificuldades e imprevisibilidades! Apesar de tudo, um dos dias consegui liderar uma sessão de empreendedorismo para jovens que provem de zonas rurais remotas e tem dificuldades económicas. Estes jovens, entre 16 e 25 anos, obtiveram uma bolsa que lhes foi atribuída pela Alternatives para poderem estudar. São na sua maior parte raparigas, cujos pais se comprometeram a não obrigar a casar até pelo menos 2 anos após o término dos seus estudos para que possam criar o seu próprio trabalho até lá. São jovens que sonham em serem professores e abrir escolas nas suas vilas para as crianças destinadas de outra forma a trabalhar no campo somente, que sonham em abrir laboratórios de análises onde nunca ninguém fez um único teste á sua saúde na vida e morrem se saber do quê, que querem ser o médico da sua aldeia, o engenheiro, o homem e mulher que mudam o destino das suas famílias que há gerações vive de agricultura de subsistência à mercê total da natureza e desatinos políticos do seu país.

Com este grupo de jovens bolseiros, realizei dinâmicas para que se conhecessem melhor, criação de espirito de grupo, trabalho sobre a sua imaginação e criatividade, para que se rendessem conta da sua força e potencialidades, que não desistissem de prosseguir os seus sonhos, por mais dificuldades que pudessem surgir… enfim, assim uma espécie de empowerment geral!

Transversal a estes trabalhos com os jovens esteve também a decorrer a realização de dois vídeos, um promocional das actividades da Alternatives, de modo a que se pudessem apresentar como ONG a “donors” mais facilmente e assim obter mais financiamentos para projectos e iniciativas. Vejam aqui o que é a Alternatives no vídeo que eu fiz para eles…

(nem vos conto como foi impossível filmar sem os barulhos constantes de obras, marteladas de sabe-se-lá o quê, buzinadelas, frases a metade, repetições… mas no final estavam todos muito animados com as filmagens!)


.... Mas como o vídeo não matou a rádio, um destes dias também estava a subir as escadas do prédio da ONG e deparei-me com o director de uma rádio de Pokhara, a Big FM que, após 2 minutos de conversa, já me estava convidar para uma entrevista na rádio dali a pouco. E pronto! Assim do nada lá entro nos estúdios e durante 1 hora falei sobre o trabalho da Alternatives, diferenças culturais e até me fizeram cantar uma canção – em directo! ……… Não deixo de me surpreender com a facilidade com que estas coisas acontecem por aqui, sem cunhas, sem necessidade de alguma outra coisa que não seja a empatia, um “feeling” e seguimento do fluxo que simplesmente te coloca no lugar, momento e com pessoa certa. Assim! Aqui parece-me mais fácil acreditar no quanto é miraculoso estar vivo! E como estamos todos tão ligados entre nós que não podemos não ser todos da mesma fonte, divina! Divinal!  


E por hoje deixo-vos com estas imagens e sons…
vídeo, rádio e fotos....


Está a chover novamente, é tempo do recolher, fechar, deitar, aninhar e descansar.
Suvaratri (Boa noite)
Bauli bhetola!(Até amanhã)

domingo, 22 de abril de 2012

Umas Luzes


Ok, imaginem que é escuro e estão em casa ou no trabalho. Nisto, vai-se a luz. Vai-se, assim sem explicação, sem nada que dispara, assim… primeira reacção? Preocupação, irritação, chatice, procurar vela/lanterna/telemóvel, ligar pra companhia electricidade (“que isto é uma vergonha”)… pois é…. A luz! Algo tão básico e garantido para o “ocidental”, aqui é um recurso precioso - parcimonioso até- que, juntamente com outras coisas que consideramos naturalmente adquiridas como a água e a gasolina, faltam constantemente e em horários absurdos durante o dia. Aqui o mapa dos cortes de electricidade semanal:


Então, isto significa que: se por exemplo trabalhas com PC num escritório que dependa só da eletricidade estatal, na 2ªfeira só podes trabalhar entre as 11h e as 15h durante o dia, o multibanco só funciona nessas horas, a comida que tens no frigo tens que a consumir logo, ou então tens mesmo que comprar um gerador poluidor/ruidor. Conseguem imaginar a dificuldade de 30 milhões de pessoas que estão afunilados entre os desenvolvimentos fenomenais da China e da India e que tentam recomeçar eles também, mas sem energia?E esta é a plataforma para qualquer coisa, aliada às chuvas a partir das 4 da tarde que impossibilitam obras e deslocações…. Portanto, a vida nepalesa rege-se pelo deus Sol que ás 6 obriga a levantar antes que o galo se aperceba e ás 18h40 manda abruptamente regressar a casa.
A vocês então “umas luzes” sobre o quotidiano daqui:
Para melhor aproveitar a luz solar (e fugir ao calor paralisante), acordo todas as manhãs às 6h45 e tento terminar o pequeno-almoço um pouco antes que chegue o meu Guruji  por volta das 07h30. Quase todos os dias tenho 1 aula de nepalês diretamente no balcão em frente ao meu quarto. O meu professor de língua, Chetji (o nome é Chet mas o sufixo “ji” é adicionado em sinal de respeito – eu também sou Saraji), vem ter comigo e ensina-me o que preciso de saber sobre a língua/cultura num curso especialmente desenhado para ocidentais apelidado de “curso para ajudar a sobreviver no nepal”.
Nestas aulas aprendo que existem 3 tipos de linguagem segundo as 3 castas principais (alta, média e baixa) e que, por exemplo, para falar com a sua própria esposa ou sobre ela com os outros se usa sempre a linguagem baixa (que é a usada para castas baixas, animais, crianças com menos de 5 anos e coisas em geral). Portanto, quando digo que a minha mulher sabe cozinhar é o mesmo que estar a dizer que “a minha coisa” cozinha… A mulher por sua vez tem que falar com o marido, independentemente da casta, na forma alta; assim como os filhos para com os seus pais. Na linguagem para a casta baixa não existe plural (como se até ali na língua essas pessoas não fossem tantas, não pudessem valer como um grupo). Bujdina, bujdina (não entendo como pode estar assim tão enraizada esta separação entre as pessoas).  Enfim, já vou dizendo umas coisinhas, mas os nepaleses depois entusiasmam-se tanto que acham que já posso discutir a teoria da relatividade logo após a 2ªfrase que digo e eu já não percebo nada do que é pelas suas bocas divertidamente disparado á velocidade… da luz?!

Depois cada dia é diferente a partir daí…
Hoje por exemplo tive que adiar a aula de nepalês pois foi a celebração do Dia da Terra e a minha ONG aqui organizou uma projeção do filme “One day on earth” num cinema de Pokhara,  mas… ás 8 da manhã! 
Seria de esperar que não viria muita gente pois ontem quando andámos a distribuir os flyers com os convites para o filme nos iam dizendo que não podiam vir (os nepaleses adultos porque tinham que trabalhar logo a seguir e podiam perder algum negócio entretanto, os jovens iriam chegar tarde á escola, ou as mulheres só iam se os maridos fossem; ao passo que para os turistas era simplesmente demasiado cedo para ir ao cinema); contudo, após os primeiros 5 minutos de projeção em que apenas estavam tipo 30 pessoas, tudo parou. O cinema ficou ás escuras, expectante. Após o que pareceu uma eternidade para quem estava cheia de sono, as portas da sala abriram-se e entraram cerca de 300 homens fardados – policias! 
Público principal da sessão de cinema
Todos tinham visto os posters pela cidade e com o aval do superintendente colocaram-se em fila em frente ao cinema, pedindo que o filme parasse para poderem vir ver todos! Incrivel! Durante 90 minutos estiveram todos contentíssimos (e a tirar fotos ao ecrã!) ali sentados no cinema a ver o filme que foi feito a partir de 3000 horas de filmagens pelas pessoas de todo o mundo no dia 10.10.2010 – só mais um dia na terra. No final fiz-lhes uma mini-entrevista em meio nepalês-inglês e adoraram todos – principalmente as partes em que apareciam imagens do Nepal.


Equipa da Alternatives ONG
Últimas luzinhas:
Como o meu voluntariado segue o ritmo solar e elétrico, quase nunca estou no escritório e livremente organizo o possível para cumprir os objetivos sem raízes numa cadeira e num PC basilares.  Dherai raamro (em nepalês “muito fixe”) para mim que prefiro total autonomia nesta altura, assim posso tentar viver tudo mais descentralizadamente, ir curiosar nos cantos sem passeios, subir degraus imaginários nas colinas de Pokhara e Kathmandu e descobrir o que já sabia mas não me recordava…
Em breve espero conseguir levar-vos em palavras também pelas pequenas vilas de Pokhara, nasceres-do-sol nos Himalayas, retiros de meditação e filosofia budista,  o que se pensa e se faz… Nepalando.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

“Um momo, dois momos, dez momos…”

Mesmo ao som das cornetas tibetanas que me acordam em tons barítonos e baixos, são ainda 4 da manhã mas, bolas, já tenho fome :)! A imagem da saciedade futura vai-se formando à medida que me levanto e saio para a rua... a retina vai-se habituando aos tons avermelhados e coloridamente detalhados do mosteiro tibetano, ao fumo do lixo plástico queimado pelas crianças da slum ali perto, aos fios infinitos de massa feita à mão, ao bêbado que dorme em cima de tijolos e todos os dias muda de penteado (hoje está particularmente “indian looking”, com um carrapito no cimo do 7ºchackra - Shiva style!); também me passam entre pestanadas senhoras que carregam fardos impossíveis e, de olhos bem abertos, cumprimento o indiano que vende a liberdade de passarinhos engaiolados ali no local onde as gentes vão procurar liberdades e iluminações “only 50 rupees to set them free…and very much enjoy!”…


Mas eu só penso, confesso, em comer. E o quê? Deixa ver... Um momo, ou 2, ou melhor, 10 momos (um prato inteiro!). É isso! Chineleio até ao fundo da rua onde está o fiel Tsering, jovem tibetano meio escravizado por uma senhora velhotita gorda de rabo dono de cadeiras largas e cujo peito transbordante é também monipolizador de balcões do restaurante.

“Tsering, please, “momos”, ok?”

(Aqui o capítulo fica interessante principalmente para o meu assumido estereotipo dos interesses do público italiano – comida! “Ecco, mangiare mangiare!”) .

Então, a titulo turístico-informativo, um apontamentozito sobre o “momo”(ou dois, ou dez): espécie de pastel cozido a vapor, maravilha para o paladar sul-asiático, mais forte se frito, variedade veg. e não-veg., mas sempre obrigatoriamente mergulhado como quem faz sopinhas, no belo do molhinho central do prato.
O momo é uma invenção que é consumida nepaleso-fanaticamente uma vez por dia e que, juntamente com o dalbhaat (lentilhas e arroz) sustenta a vida desta nação sem mais variações e combinações a não ser dalbhaat-momo ou momo-dalbhaat ou dalbhaat só.) Aqui um exemplo de um pratinho de momo, combinado com uma thukpa (que por seu lado faz a combinação binómica diária momo-thukpa para os tibetanos): 

Bom, eu ali assim fiquei a pequeno-almoçar os meus momos contentíssima e sofregamente. Entre deglutires e sopinhas no molhinho, tempo para ler 3 noticias no "Kathmandu post"(jornal quotidiano) :
1. Sra. foi espancada pela família com acusação de ser bruxa e ter lançado mau-olhado para a cunhada que, supostamente por culpa do olho-mau cunhadesco, não consegue ter filhos;
2. tristemente também, o muito querido Ramvakari, de belo elefante que era, após capturado e pseudo-protegido numa Wildlife Reserve qualquer, morreu por falta de tratamento, claro, ninguém foi declarado responsável e nem se coloca essa pergunta no artigo;
3. como nota final, ali numa vilazita perto de Kathmandu, uns jovens estavam a fazer um exame e tinham tanta motivação para passar que trouxeram a família atrás para ajudar e, como os examinadores não deixavam entrar a tia e o periquito, desataram todos a mandar pedras para a sala de exame e assim já entraram para, autorizadamente, batotar – a determinação foi compensada!
Depois disto, último momo deglutido com sons tipicamente e portuguêsmente  nasalados, levantar e partir rapidamente, arrastadamente a barrigonada até ao micro-bus local. Gritar e gritar “Thamel”e um micro para finalmente. Entram os meus 10 momos compactados e curvam-se para caber com outros mil passageiros, um micro-espaço para recheio-macro.

Paragem perto de Durbar Square de Kathmandu onde se acumulam uns montinhos de gente a pulular e gesticular braços no ar. Os momos ainda por digerir aproximam-se curiosos e rápidos. Nisto, vê-se uma menina de tipo 6 anos sentada numa cadeira, toda maquilhada e encarnada. “Olha! É a Kumari!"

Kumari Devi, a deusa viva, venerada pelos nepaleses, por invenção e imposição de um rei passado. Curioso que a deusa aprecia especialmente chocolates kit-kat e não tanto as rupias que lhe jogavam no colo enquanto tentavam tocar-lhe os pés em fervorosa adoração e devoção das gentes.

Estranha esta coisa da devoção, que me é tão imensamente desafiante. Ser devoto a uma pessoa, deus, causa… muito difícil, acho que só experimentei ainda devoção a uma ideia, nada mais.  Confesso uma invejinha latente quando observo estes devotos sem necessidade de perguntas/dúvidas, multidão que não sente os momos na barriga a remexer quando se trata de oferecer/pedir/rezar/dedicar algo a esta deusa-menina.
Não, ainda não desenvolvi muito essa capacidade de fé total inabalável em algo que não se apresente à minha mente como minimamente lógico ou ao corpo senciente como ressonantemente real/naturalmente verdadeiro. A propósito da devoção e fé já vos teclo mais tarde, num outro post…

Mas deixando a deusa e sua cadeira, que só por acaso naquele dia e hora especifica se podia deixar ver e tocar pelos mortais durante o ano –coincidência- dirijo-me a uma Associação chamada “Seeing Hands” (mãos que vêem) onde iria fazer uma entrevista e vídeo. Ali trabalham várias pessoas nepalesas cegas que aprenderam com um grupo de voluntários de todo o mundo a fazer massagens sem ver. Para além de trabalho administrativo, estes invisuais normalmente marginalizados pela própria família e sociedade nepalesa, conseguiram um abrigo, um emprego e um espaço onde são apreciados pelos ocidentais que ali chegam todos enrodilhados pelas montanhas do Annapurna.
É verdadeiramente entusiasmante o que conseguiram realizar e, dizem as vozes massajadas, que o serviço ali prestado é de elevada qualidade!

Daniavad (obrigado) pela disponibilidade e “jam jam”(vamos embora).

A passos tímidos e hesitantes, tento verificar se tenho dinheiro suficiente no rolo de notas nepalesas amachucadas negligentemente no bolso. Procuro especialmente  a nota com o elefante estampado (a mais elevada, que corresponde a 10 euros – 1000 rupias). Mas tenho só 1 cabrinha, 3 rinocerontes, 2 espécies de bâmbis, uma data de búfalos e 1 tigre. Nada mal, cerca de 900 rupias, 9 euros, posso avançar e não me preocupo com amanhã também. Engraçado este dinheiro que substituiu a carita laroca do rei nepalês por animais e montanhas após a des-monarquização recente para um sistema que ainda não se percebe muito bem (de notar que há 4 anos que tentam fazer a dita nova constituição do país…).

Rápido rápido, no cicle-rickshaw volto para o bus stand, micro micro-me de novo e regresso a Boudha toda “momo- amontoada”. Micro-saio do autocarro, passo pela estradinha escondida ao lado do portão oficial (que senão tenho que pagar 7,50EUR só por ter tido preguiça de procurar outra entrada e pareço a turista de boné e meias até aos joelhos) e vou até à Stupa gigante.

Olhos grandes budescos  que me seguem enquanto giro circularmente,
horariamente, as rodinhas mântricas “om mane padme um”. Pausa a meio para observar as velinhas aos pés das várias estátuas adoradas. Luzinhas de manteiga que se os fiéis a Buda derretidamente acendem para boa sorte, iluminação aos próprios ou aos falecidos ou para mais alguma versão que os comerciantes destas velinhas criam e descriam. Tanta tanta devoção e eu nada. Claro, sente-se um pouco de apaziguamento da mente por ali no meio de tanto fervor de fés, mas ainda assim, mas ainda assim…

Giro giro e é noite já. 7 e meia da tarde. Escuro e não há luz agora, contar só com 2 ou 3 lâmpadas de qualquer casa com gerador, velinhas pequeninas a derreter e a mini-lanterna de bolso para chegar bem a casa. Passos “slowly but surely”, que a esta hora é preciso ter cuidado com os cães de rua. Faltam ainda 3 curvas para chegar à guesthouse e os cães  já se levantaram. É impressionante como passam os dias esparramados a dormir de boca aberta e, de noite, são os bichos-papão do recolher! Ladram, perseguem-te, querem-te morder, rosnam e entram onde estás. É preciso andar confiante, mesmo cheio de medo. Outra coisa difícil esta, a confiança que tudo irá correr bem, nada de mal vai acontecer e não vou precisar ir ao hospital apanhar 5 vacinas contra a raiva nas próximas horas (epá, nem sei onde fica o hospital por estas bandas e já se vai tudo andando pra casa comer mais momos e dormir). “Cãozinho lindo, tá lá aí sossegadinho, que eu vou só até ali… “. pé ante pé, uma rosnadela, uma corrida perseguidora e vá lá, salva por um monge com um pau que o afugenta amedrontado. Uff, portão aberto, jardim atravessado, escadas, 1º, 2ºandar, corredor, porta lá ao fundo, e chave agora onde está? Típica bolsa de mulher-cartola de mágico a fazer saltar cabrinhas desenhadas em notas, papéis dispersos, telemóvel que faz barulhos exagerados, remexer remexer e chave! Sapatos cá fora, porta aberta e…. vum, cama!

Agora releio deitada os ensinamentos de um Rinpoché tibetano de há uns dias atrás e, assim que pestanejo a 2ºpágina do caderno, a luz ,que entretanto regressou, vai-se inexplicavelmente. Pronto, é hora de dormir, é hora que algo aconteça. Foi-se a neo-luz e os momos ainda ali a fazerem-se sentir. Talvez fosse o molhinho das misturadas mil, talvez a velocidade devoradora, mas algo não foi totalmente digerido hoje… correr correr para o wc… pronto, vomita-se os momos! Fim do dia. Muita coisa, muito pensamento e momento e micro-macro, lusco-fusco em flashes de acontecimentos e algo tem que sair cá para fora… Não sei se bem ou mal, ficou tudo o resto mas, por hoje, foram-se os momos.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Regresso! E novo inicio...

Regresso! E novo início…

Tão dificil esta coisa de voltar a escrever num espaço já conhecido, num outro tempo, idade, visão ...

"rodam-se as rodas do karma, da almejável moksha e mergulhamos no... anicha!"

Acolhendo-me novamente, ei-lo, o Nepal!
(Dados oficiais muito rapidamente para quem não sabe: país asiático pequenito ali metido e “enfronteiriçado” no meio dos gigantes India e China onde vivem cerca de 30 milhões de habitantes - nepaleses, indianos e tibetanos principalmente juntamente com uma série de ocidentais com vistos de turismo renováveis ad eternum - uma taxa de alfabetização de 48% com pouquissimas escolas e ainda menos profs e médicos per capita do que em aldeolas perdidas portuguesas, mas que neste momento é, muito orgulhosamente e desde 2008, uma república parlamentar. Para mais infos e estatísticas oficiais basta consultar o mestre Google ;)


Mais certo é que aqui e agora agora mesmo mesmo e neste preciso instante encontro o corpo sentado num tapete em Kathmandu, a cidade capital que me irá reter por alguns dias enquanto não regresso a Pokhara. Hoje também, segundo a última pesquisa cientificamente perguntada a mais de um/a habitante, o meu nome, Sara, significa “ajuda”:) … lá está a velha máxima, mudam-se os tempos… e aqui muda-se mesmo tudo e mais alguma coisa. Estes nepaleses que não uniformizam dicionários de transmissão oral e me dão significados e aparências a eles consoante a ruguinha a mais no canto do olho, a tikha vermelha na testa e o resquício de puja improvisada por mãos de sacerdotisa aos pés de um Ganesh laranja.”Seems just like nepalese ma’am!... where from?”

- “Bem, from Lisboa nos últimos 3 anos de trabalho; from India a ser viajada em formas de voluntariados/estágios e outras vivências atípicas; from Florença de trabalhos mil e estudos especializados ; from Genova erásmica de Erasmus aquele sintético da EU; from Lagos lá no sul, aquele cantinho de final de linha de comboio onde sempre se volta porque não se pode navegar por aí sem as quentes ondas do oceano familiar… from por aí e mais além que não se sabe bem porque ainda não se chegou lá.” Respondo assim mas acho que não se percebe muito bem porque depois perguntam-me outra vez: “which country?”.

Países países… agora só já uma cidade de cada vez. Catmandu (em aportuguesado que fica bem). Nesta cidade estou-me a viver na moldura pouco quadrada de um programa comunitário intitulado S.V.E. Tenho um projecto aprovado para 6 meses de voluntariado a começar em Pokhara, com algumas viagens pelo resto do país, com financiamento da Sra. União Europeia. Já lá vão alguns dias desde o inicio desta nova experiência e tenho muito para partilhar…. e em vários formatos (há fotos, vídeos, pensamentos capturados em palavras que ainda não escrevi…). Mas por hoje, e só por hoje, deixo-me e -vos assim, que não é por mal, mas a eletricidade irá acabar daqui a 10 minutos! E depois toda a noite não haverá mais até de manhã, é assim, nada a fazer, o “loadshering” diário é para todos. Aqui a energia é mesmo preciosa e a noite é para ser dormida, ou pelo menos, o escuro é para ser vivido nas suas várias tonalidades. Boa noite e phir milengue (até já)*


quinta-feira, 22 de março de 2012

Estive no Nepal há 4 anos atrás,Verão de 2008.

Estive no Nepal há 4 anos atrás, no Verão de 2008. Foram 2 meses rápidos e intensos, viajados sob capas várias de viajante ora turisticas ora fluxo-deambulantes. Agora estou cá de novo, num regresso esperado e programado que segue os seus próprios ritmos. Neste espaço entrego o que será experienciado na actualidade de 2012, mas não posso esquecer o que foi vivido antes….

A primeira vez foi assim:

"O meu nome abre portas. Sara. Ao que parece tenho um nome cristão, judeu, muçulmano e por aí afora...Nasci numa cidade de descobridores e, talvez sob o signo desta combinação também jupiteriana, tenha sempre que ir além oceano, ver o que là està, que tesouros e tiranias existem pra là daquele cabo e depois daquele outro e depois do outro...

Hoje estou no Nepal, onde o meu nome significa “mundo”. Passaram-se 4 meses e meio desde que embarquei na nau voadora dos amigos/inimigos ingleses e desembarquei na India, que me foi empurrando um pouco mais para cima, asiáticamente primeiro para oriente depois mais para cima, para o lado, outra vila que não tá no mapa, um autocarro local com chinfrineiras mil, um rickshaw, umas rupias, mais um carimbo no passaporte e eis-me por aqui agora, Nepal.
 De alguma forma nestes meses em que carrego o PC ás costas, perdi o hábito de escrever no papel. O pulso, outrora rapido e expedito nestes movimentos de desenhar letras, agora sofre “estimulos de tic tiques” ora fortes ora lentos, de um mouse ou de um teclado. E assim ticteio e ticteio-vos uma vez mais sobre o que me está em torno: Kathmandu.
Uma cidade. Uma capital. Estou hà quase um mês nesta cidade que não é nada de especial, a nao ser tratar-se da capital de um pais sanduiche indo-chines que se apresenta muito timida em termos de fabricas e construções em altura, talvez acocorada por nuvens de chuva e poluição. Parece-me te-la vivido intensamente nesta torrencialidade imprevisivel dos monções, no calor e no vento, a subir e descer montanhas, envolta por um smog que mais me parecia uma neblina feiticeira de humores – no adensar ou no desfazer dos vapores, ora se detesta o que se vê, ora se adora, ora simplesmente nao se consegue ver....


O meu cenário mais próximo: Thamel, uma àrea comercial/turistica gigante, à medida do gosto e organizaçao ocidental meio fricalhoco. Saltando-se a compra de instrumentos de cordas e sopro que desfilam desafinados à frente dos olhos, fazendo uma finta às facas kurkuri oferecidas à altura do estomago, a mao com o tique do nao para as ofertas de “trecking rafting” e um acenar continuo e negativo ao bàlsamo de tigre que sò custa 1 dolar e é bom pra tudo, e hà ainda que nos desviarmos do sexo oposto cujas maos insistem em tocar-nos – uff!é um exercicio constante caminhar nas ruas de Thamel, onde hà de tudo à disposiçao... Alguns vendedores parecem realmente dispor de um leque de possibilidades infinitas – se quero, posso obter todas as drogas existentes e ainda por inventar, crianças posso também “adoptar”, ter homens e mulheres para fazer amizade, carros, motas; posso ainda comprar casas, coisas, animais em extinçao, entrar em locais proibidos (tipo Tibet, Mustang...), fazer o que ninguém pode fazer, só tenho que ter vontade e contratar o preço...impressionante...ali, numa só rua, a qualquer momento do dia, hà gente que me pode proporcionar tudo o que de mais ilicito me posso lembrar...
Bem, assim a bem da verdade verdadeira, ali no meio das casas e casinhas de arquitectura newar, o que é certo é que uma vez servi-me dos serviços de um desses senhores...mas foi no meio de um diluvio – e pra comprar um chapéu-de-chuva!!!(que pena k ainda ninguem se lembrou de contratar esta gente pra trabalhar na produçao de filmes– sao fantasticos em arranjar o impossivel em 5 minutos!eu pude até escolher a cor do chapéu!! Mas aqui, na Kholywood nepalesa – chama-se mm assim – sò fazem filmes de pancadaria com os ditos facalhões kurkuri cheios de sangue ketchupado ou dramalhões românticos de qualidade “Arlequina”.
Na mesma onda é o cenàrio politico e o mood geral da populaçao. Um optimismo romântico tanto quanto o céu é impermanentemente azul e um dramalhão aquando de um eclipse lunar parcial que coincidiu ali assim com umas inundações de um terço da parte baixa do pais, matando uma data de gente, deslocando-as, criando doenças e impedindo simplesmente as trocas comerciais de todo o lado este do pais agora isolado....

Saio de Thamel e entro na parte velha da cidade, Paknajol.
Antes de chegar à praça principal, encontro filas e filas de pessoas sentadas com bidons de plastico, à espera de dai a umas horas conseguir obter 3 litros de combustivel e kerosene para as suas necessidades primarias...estao todos contentes com o novo governo mas nao compreendem esta talvez incompetencia em arranjar energia suficiente para o pais, espantam-se com o rompimento da tradiçao de irmandade com a India a favor da China, que deverà ser o parceiro comercial preferido doravante (até agora a India era a parceira de 80% das trocas comerciais) mas apoiam as novas politicas de igualdade de género e de maior representatividade das castas mais baixas na vida politica e renderam-se em adoraçoes de massa ao pagamento de taxas (desde que estao no poder, os maoistas instituiram uma taxa de serviço, a acrescentar ao IVA, de 10%, em todos os restaurantes, guesthouses, tudo ligado ao turismo, e eles agora adoram cobrar 23% sobre tudo).


Chego finalmente à praça principal, Durbar Square.

Os olhos enchem-se de castanho e outras cores terra alternadas por pontinhos coloridos de frutas frescas e legumes espalhados em montinhos privados nas escadas dos templos hindus. Cheiram-se especiarias, encontram-se pedrinhas magicas que lavam a cara, o corpo e a alma. Depois é pegar num chà com leite e mais uns pozinhos secretos e leva-lo devagarinho degrau acima até bem ao alto do templo principal, o Templo Bhagwati, e observar-me a observar a vida là em baixo: os senhores queimados pelo sol que transportam na cabeça pesadas impossibilidades (frigorificos, sofas mastodonticos, e etcs) que dao prioridade aos rickshaws pedalados cuja bozina é sempre um frasco de gel duche importado( o som é o de uma boneca cor-de-rosa esborrachada por um puto irritante, mas tem a sua funçao utilitaria), e a gente e mais gente que se cruza e se toca...
Aqui sentadita converso com nepaleses jovens que vem de outras cidades à procura de trabalho na capital mas perdem a tarde toda a falar comigo e a beber chà, mais preocupados em perceber como é que podem emigrar para a europa; algumas crianças e babas falsos vem pedir dinheiro, um louco tenta roubar-me o chà; noutro dia faço amigos viajantes ocidentais e daquele ponto no alto tentam ensinar-me a “arte do viajar sò pelo viajar”...veem-me muito ocupada em actividades e nao a desfrutar simplesmente da viagem em si, sem ter que fazer algo que explique o porque, que conforte os outros, que me de algo mais para quando voltar, que explique o tempo e o dinheiro gastos. Que explique o porque de ir para longe viver no longe e diferente...

‘E no entanto este continuar a sentir uma insatisfação...e ser sempre confrontada com este fazer versus ser. Custa-me a ideia de nao fazer absolutamente nada de util e simplesmente ser...e entao continuo na estrada do fazer, do produzir algo...mas que raio, esta crise do “ser” persegue-me! Ser tranquila, ser confiante, ser paz e apaziguadora, ser contente, ser feliz e sò por se-lo jà estar a fazer muito....( é um meu debate ao nivel dos assuntos internos...)
 Volto para o quarto. Nas pensoes hà roof tops (cantinhos arranjados no telhado) de onde se conseguem ver as montanhas, a Swayambu stupa ou Templo dos Macacos (de onde grandes olhos do Buda semi-cerrados tudo veem, metade no interior, metade no exterior, e assim sabem tudo...) e onde se proporcionam soirées de encontros de viajantes e turistas ocidentais com nepaleses do staff muitas vezes sob o feitiço dos charros infinitos sempre disponiveis...nestes momentos ouvem-se historias de assaltos na primeira pessoa, historias de paranoias, de drogas e experiencias, de voluntariados a ensinar ingles ou qq outra coisa às crianças das vilas ali a 1 hora da capital (onde nao tem professores), de negocios lucrativos metade capital ocidental e metade nepales (é praticamente impossivel criar uma empresa em nome estrangeiro exclusivamente).

Experiências, pessoas e encontros. Muitos interessantes, com tempo para falar, para trocar-se a sua mensagem individual, para nos conhecermos e reconhecermos as mesmas irrequietudes, as dores e as procuras e assim aumentar a nossa ligação de pensamentos comuns.
Durmo e acordo. Passam-se dias e dias de festivais: no vale de Kathmandu o mês de Agosto vê celebrado o festival das vacas (em que nao há vacas, mas pessoas mascaradas de vacas), o dia do pai, o dia da mulher em que se faz a mesma coisa de todos os outros festivais – vende-se uma data de tretas religiosas para os rituais nos templos hindus e as mulheres todas vestidas com saris vermelhos e colares verdes fazem rodas de danças impossiveis de apreciar pois toda a gente está tão perto e tao imovel, que não se vê nada. E é toda esta humanidade que se move seguindo incensos e mais flores e mais um bindi colorido no meio da testa (que é para o deus que eu quiser ficar contente) e mais a doaçao ao templo – claro, nunca ir sem uma banana ou um pedaço de coco e umas rupiazitas! – e muito calor e muito empurrao, e muita produçao do mulherio maquilhado e mergulhado em joias...ficamos cheios de humanidade – ou desumanidade?”
(……….)

Sara, Agosto 2008